Belo Horizonte – Aqui o Brasil é mais português
Escrever sobre Belo Horizonte (BH) é trazer à memória uma
torrente de emoções e vivencias que vão muito para além da viagem em si; é
trazer para o presente velhos amigos, daqueles que ficam sempre no nosso
coração e com quem basta um olhar para saber se está tudo bem, mesmo que se
passem meses ou anos sem contacto; é recordar que algumas viagens parecem ter
sido escolhidas a dedo, para que nunca mais possam ser apagadas da nossa mente.
Este texto é dedicado a todos os que tornaram esta viagem inesquecível,
até nos mais pequenos detalhes.
A qualidade das fotos não é a melhor pois já passaram alguns
anos e nesta altura não sonhava vir a dar-lhes outra utilidade para além de as
guardar num algum de fotografias, ainda que virtual.
BH é tudo: é a melhor comida do mundo, as melhores paisagens,
a Estrada Real, os diamantes, o ouro, os portugueses, a cultura, a arquitetura,
o bem receber, a religião, os escravos e a Chica da Silva, as pequenas cidades,
a simplicidade de pequenos gestos, BH é tudo e contudo, como não tem praia, BH
é tão pouco para quem sai de Portugal à procura de umas ferias no Brasil.
O primeiro voo direto de Portugal para BH foi em 2008 e nessa
altura o aeroporto estava decorado, numa homenagem a todos os portugueses que
começavam a chegar aquela cidade, que havia de ajudar a imortalizar pelas suas
obras um dos arquitetos mais brilhantes de sempre da história mundial, Óscar Niemeyer.
Por toda a região existem obras deste grande artista, bem conservadas nos prédios,
escolas, igrejas, avenidas e outros edifícios que o imortalizaram. De todas as
obras, a mais memorável é muito possivelmente o Edifício Niemeyer, situado na
Praça da Liberdade, na esquina com a Avenida Brasil. O prédio, em estilo
moderno e construído entre 1945 e 1955 possui curvas sinuosas a fazer lembrar as
linhas das serras mineiras. Foi projetado uma década depois das obras do
Conjunto Arquitetónico da Pampulha, mais uma obra fantástica e muito à frente
para o seu tempo, de onde se destaca a Igreja de S. Francisco de Assis. Mas por
todo o lado existem obras de Óscar Niemeyer, de tal forma que seria possível fazer
uma viagem só para conhecer melhor o rasto arquitetónico deixado por aqui. Para
fazer parte desse roteiro teriam de se considera ainda a Cidade Administrativa
Presidente Tancredo Neves, o prédio da Sede Administrativa da Fundação
Zoo-Botânica, a casa onde morou o ex-presidente Juscelino Kubitschek, o Conjunto
Habitacional Juscelino Kubitschek, a Biblioteca Pública Professor Luiz de Bessa,
antiga Sede do Banco Mineiro de Produção e a Escola Estadual Milton Campos,
mais conhecida como Colégio Estadual Central, cujos edifícios fazem lembrar por
exemplo um mata-borrão e uma caneta.
Belo Horizonte é uma grande cidade, rodeada de cidades históricas.
Sendo uma grande cidade por aqui não se sente de forma tão forte a presença dos
portugueses como se sente nas cidades que a rodeiam, e que lhe dão um cariz especial.
Começando a sair da cidade e deixando a confusão para trás, um dos pontos obrigatórios
de visita é o Centro de Arte Contemporânea Inhotim. Localizado em Brumadinho a cerca
de 60 km de Belo Horizonte, este centro é a sede de um dos mais importantes
acervos de arte contemporânea do Brasil sendo considerado o maior centro de
arte ao ar livre da América Latina.
De facto assim que saímos da grande confusão começamos a recuar
ao passado, conseguindo chegar ao tempo em que os portugueses eram os senhores,
os escravos sobreviviam como podiam e o ouro e os diamantes jorravam de todo o
lado para serem depois transportados numa longa e aventurosa viagem, até à
metrópole.
As cidades históricas ainda preservaram essas memórias de forma
maravilhosa, chegando a Diamantina encontramos uma cidade que soube conservar
sua arquitetura, a sua cultura e sua natureza sendo uma das cidades históricas
mais visitadas no Brasil. Por aqui tudo é uma recordação do passado. A começar
pelo chão, ainda de paralelepípedos escuros a lembrar Portugal, passando pela construção
de cariz colonial de, as suas igrejas seculares, a paisagem digna de um cenário
para um filme tudo acompanhado de uma forte tradição religiosa e musical. Atualmente
Diamantina é considerada Patrimônio Cultural da Humanidade, título entregue
pela UNESCO.
Existe muito para conhecer por aqui, é altura de ter à mão
um bom guia e de partir à descoberta de pontos históricos como por exemplo a casa
de Chica da Silva e do contratador de diamantes João Fernandes de Oliveira, que
por aqui viveram entre 1763 e 1771, e onde tiveram 13 filhos. Espantosamente
bem conservada a casa representa algo invulgar para a época, pois Chica da
Silva foi uma escrava, posteriormente alforriada, tendo conseguido atingir uma
posição de destaque na sociedade local.
Mas Diamantina tem muito mais para ver,
em cada esquina existe uma loja de artesanato, uma praça a fazer lembrar a metrópole
ou uma igreja de inspiração barroca. Depois disto só falta conhecer o Garimpo
Real, onde se aprofunda o conhecimento sobre o garimpo, as técnicas para encontrar
diamantes e com sorte, conversar um pouco com os trabalhadores e ouvir
histórias irreais de quem dedica a sua vida a correr atras de um sonho que pode-se
nunca materializar. Como pano de fundo, uma paisagem lunar, com formação de
rochas com características bastante atípicas.
Ainda a reviver o passado em Diamantina, a recordação de que
a Estrada Real também passou por aqui. Esta é a maior rota turística do país, e
surge em meados do século XVII quando a Coroa Portuguesa oficializou os
caminhos do ouro e dos diamantes desde Minas Gerais até os portos do Rio de
Janeiro. Esses caminhos foram denominados de Estrada Real.
Neste caso por Diamantina passa o Caminho dos Diamantes, que
passou a ter grande importância a partir de 1729, quando as pedras preciosas de
Diamantina ganharam protagonismo nas economias brasileiras e portuguesa. Para
quem percorre o caminho dos Diamantes no sentido Diamantina – Ouro Preto são
178,3 km, Para quem percorre no sentido inverso são 395 km. Para além deste
caminho, a Estrada Real, tem ainda o Caminho Velho, também denominado de
Caminho do Ouro e que foi o primeiro trajeto determinado pela Coroa Portuguesa ligando
Ouro Preto a Paraty; o Caminho Novo, destinado a servir como um caminho mais
seguro para o porto do Rio de Janeiro, principalmente porque as cargas estavam
sujeitas a ataques piratas na rota marítima entre Paraty e Rio e o Caminho Sabarabuçu
em Ouro Preto.
Seguindo para Ouro Preto, a magia do tempo continua. Mais uma
cidade histórica, que fica presa para sempre na nossa memória. Decretada Cidade
Monumento Nacional em 1933, foi declarada pela Unesco em 1980 Património
Cultural da Humanidade. O Ouro que brotava de todo o lado ajudou a formar uma
cidade com uma arquitetura muito rica, construída num terreno pouco plano.
Contudo, as casas, verdadeiros monumentos vivos representativos de uma época,
sobrevivem até hoje com todo o seu esplendor.
A Praça Tiradentes ganhou o seu nome em homenagem ao mártir
da Inconfidência Mineira, pois foi por aqui que este descendente de portugueses
terá começado a pregar a favor da independência daquela capitania. A cidade de
Tira Dentes, outro local que não se pode deixar de conhecer, ganhou o seu nome
em homenagem a este herói brasileiro.
Entre Ouro Preto e a vizinha Mariana, existe a funcionar um
comboio histórico, Maria Fumaça, que vale a pena experimentar. É preciso cerca
de uma hora para percorrer 18 quilómetros de paisagens fantásticas, a cerca de
20 kms/hora. O stress ficou na rua, o vagão panorâmico de amplas janelas
permite desfrutar da paisagem, sentir o vento suave a bater na cara e dos cheiros
da natureza misturados com os do carvão. A outra opção de viajar no Maria Fumaça
é entre S. João del-Rei e Tira Dentes, desta vez são 12 kms de história para
aproveitar em cada segundo.
Contudo esta região não para de surpreender. Outro local inesquecível
é a Serra do Cipó. Sendo atualmente um dos principais pontos turísticos da
região, está inserida na Estrada Real e no Circuito do Diamante. Contem um
vasto Parque Nacional, de relevo bastante acidentado, com inúmeras cachoeiras sendo
excelente para prática de atividades ao ar livre.
Por último mas não menos importante, destaque para a
fabulosa comida mineira. Quase todos os pratos da cozinha mineira contêm legumes,
frutos ou tubérculos. Existem alguns pratos que se destacam como por exemplo o
Angu e o Feijão tropeiro. Com forte influência dos portugueses e dos escravos,
a comida mineira representa bem o caldo de culturas que deu origem a esta
região, carregando consigo, seculos de história que uniram para sempre os
continentes europeu, africano e americano e onde a mão dos portugueses foi
fundamental para o resultado final.
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