Retrato de umas férias em que me apaixonei por Cabo Verde
Não vou escrever outra vez sobre as maravilhas de Santiago,
de como é bonita a praia do Tarrafal ou de como existe história e cultura para
conhecer e explorar nesta ilha de Cabo Verde. Vou antes explicar como me
apaixonei por Cabo Verde.
Há muitos anos atrás, ao viver de uma semana de férias terrível
em que tive o azar de ter apanhado mau tempo, vento e frio em Cabo Verde, tinha
jurado nunca mais voltar. Foi depois de muita insistência por parte de amigos que
resolvi regressar à ilha do Sal, no ano passado, e confesso que todos cá em
casa adoramos. Foram umas férias tranquilas, de sol, praia, boa companhia, boa
comida, passeios e muitas atividades ao ar livre. Regressamos a casa no outono
com um belo tom dourado na pele e com as baterias carregadas, incluindo os dois
adolescentes cá de casa e isso bastou para me fazer mudar de ideias e agradecer
aos meus amigos que não me deixaram ficar com uma ideia errada da ilha, obrigando-me
a voltar e a dar uma nova oportunidade a este destino. Estava fechado um ciclo,
nada mais haveria a dizer. Eu reconhecia o meu erro por ter feito uma análise
redutora e não ter pensado que simplesmente tinha tido muito azar com o clima
naquela semana de férias que nos tinha marcado tão negativamente.
E estava assim arrumado o destino Cabo Verde, certo? Não, na
realidade não foi bem assim….
Conhecer Cabo Verde não é ir só à Ilha do Sal. Bem, pode ser
para começar mas depois é preciso ir mais longe. Cabo Verde é composto por 10
ilhas, das quais, uma não é habitada e 5 são ilhéus. As ilhas dividem-se em 2
grupos: Barlavento de que fazem parte Santo Antão, São Vicente, Santa Luzia,
São Nicolau e Sal e Sotavento de que fazem parte Brava, Fogo, Santiago, Maio e
Boavista. Quem por lá passa vai percebendo que todas são diferentes e se for possível
se devem conhecer todas.
Foi com este espirito que no ano passado, rumei à cidade da
Praia na ilha de Santiago. A correr fiquei com uma ideia muito superficial da
ilha embora tenha percebido que haveria ali muito potencial turístico para
explorar com calma e em família. Este ano resolvemos ter um carnaval diferente,
os miúdos já são crescidos e não ligam a máscaras e fantasias por isso trocamos
o gelo e o frio de Lisboa por 3 dias abençoados de calor na cidade da Praia.
Mais uma vez tudo correu bem. As pessoas são muito simpáticas
com um sorriso sempre pronto a saltar nos lábios e apesar de falarem
essencialmente crioulo não desprezam a presença portuguesa em solo cabo-verdiano
e recebem-nos de braços abertos, fazendo-nos sentir em casa.
Mais uma vez tínhamos pouco tempo e muito para explorar. Uma
volta pela ilha, aproveitando a visita ao Tarrafal é essencial. Nesta viagem tivemos
a sorte de nos cruzarmos com a Passarinha, a ave mais colorida que nidifica em
Cabo Verde. Dizem que dá sorte cruzarmo-nos com ela mas o maior fascínio e vê-la
a voar, carregando as cores da bandeira deste país. Pequena, com cerca de 21 a
22 cm de comprimento e 32 a 34 cm de envergadura, apresenta uma coloração
cinzento claro na cabeça e pescoço, parte inferior do corpo castanho com dorso
escuro e asas e cauda azuis, tem um longo e fino bico vermelho.
A paisagem apresenta-se aparentemente seca, com os montes
cobertos por milho pronto a ser apanhado e feijão entrançado nas espigas do
milho. Olhando de longe parece uma paisagem árida mas visto de perto percebe-se
que os montes estão cobertos de plantações agrícolas, uma das bases de suporte económico
da ilha. Também aqui e ali as românticas buganvílias tomam conta de um casebre
abandonado, dando-lhe um toque especial, a fazer lembrar alguém que em tempos
por ali terá morado e que com a sua partida, as buganvílias reclamaram a sua
herança, ocupando todos os poucos bens terrenos deixados para trás, talvez a
esconder pequenos segredos que um dia venham a ser descobertos….
Continuamos viagem com muitas paragens para tirar fotos: o
bairro dos emigrantes onde existem muitas casas de portugueses, algumas ainda
por acabar, o miradouro com a sua grande cruz erguida para o céu não nos
deixando esquecer que esta é a casa de um povo crente em Deus, os montes com
caras, animais e outras figuras esculpidas a fazer lembrar outras montanhas
veneradas pelo mundo, tudo isto serviu para nos encantar.
Mas mesmo assim muito mais havia ainda para descobrir, a
venda ambulante de peixe seco, fruta e legumes, os cães que fazem parte do quotidiano
em toda a ilha, partilhando alegrias e desgraças com os humanos, já tenho
interiorizado o efeito do calor sobre o corpo e ainda uma paixão pequenina de
quatro patas que nos lambia ferverosamente, também ele tão simpático que quase
o metemos na mala para vir connosco para Portugal ou as estatuas onde se presta
homenagem com flores aos heróis nunca esquecidos e, a arvore mais surpreendente
que já vi até hoje, coberta com cores alegres de esperança e cujos braços
apoiavam painéis solares.
A visita ao Campo de Concentração do Tarrafal foi obrigatória pois é importante que as novas gerações saibam que existiram pessoas que morreram por acreditar e lutar pelos seus ideais. Depois de tanta emoção faltava o almoço numa esplanada junto ao mar, na Praia do Tarrafal, a comer um maravilhoso peixe grelhado embalado por uma morna e uma Strela para os mais velhos. Não sobrou tempo para um mergulho mas a meia hora que tivemos para relaxar na areia a ver lapas e ouriços-do-mar nas poças foi igualmente preciosa.
O dia avançava muito
rapidamente e era preciso regressar. Foi nesta altura que descobrimos o
espirito do carnaval tradicional, simples mas muito animado, com um rei, uma
rainha e muita música e ao seu redor. Foram várias as explosões espontâneas de
carnaval a que assistimos, em que um grupo pouco organizado desfilava e a
população aplaudia e acompanhava o ritmo. Magico pela sua simplicidade, a fazer
lembrar algumas tradições populares que pelo menos até há pouco tempo existiam
nas vilas e lugarejos do interior de Portugal.
E quando se pensa a acha que já se viu de tudo e que não é possível
ficarmos mais encantados eis que o Arlindo, novo amigo e diretor da Novatur,
nos leva para jantar num restaurante maravilhoso pela sua simplicidade,
localizado na Cidade Velha, junto ao mar. Tereru di Kultura é o seu nome. O chef,
português, acompanha os alimentos cozinhados na rua em forno de lenha enquanto serve
às mesas e conversa com os seus “convidados” dessa noite. Foi assim que fiquei
a saber que depois de muito viajar este chefe escolheu Cabo Verde para assentar
raízes e que é feliz por lá. Não tem cartões-de-visita nem pagina na web pois diz
que ali não precisam dessas coisas, perguntei-lhe como é que os clientes o
descobriam e respondem-me que era por boca-a-boca, quem vem gosta e recomenda
quando regressa a casa. Tem uma página de facebook mas que é gerido pelo sócio pois
ele só se preocupa com o que se vai comer nesse dia.
Aqui não existe ementa, a opção é pizza para os mais jovens,
divinal, cozida em forno de lenha e peixe do dia. O atum em cama de feijão
acompanhado com cuscuz de milho estava simplesmente excelente, assim como a
noite calma e o mar que languidamente se esticava pelas pedras da praia.
Antes de regressar ainda fomos ao Plateau, a rua pedonal, cheia
de gente e de comércio e que ainda tem um grande potencial por desenvolver.
Sente-se que ainda é só o começo e que em breve muita coisa mudará…mas essa história
fica para outra crónica…
Foi a custo que vimos voar os nossos três dias de férias e
que tivemos de arrumar as malas para regressar a casa, já no aeroporto, olhávamos
à volta, ainda em solo cabo-verdiano mas já com tantas saudades.
Na minha cabeça, o crioulo que eu já quase que entendia, as
palavras do Arlindo sempre tão preocupado para que nada pudesse falhar, e o Zezinho
que tive a oportunidade de voltar a encontrar, cheio de trabalho mas que
conseguiu tempo para nos ir buscar e levar ao aeroporto.
Sobre o frio e a chuva que encontrei quando aterramos em
Lisboa nem vale a pena escrever pois ainda sinto o coração aquecido com o
maravilhoso calor de Santiago.
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