Cacilhas a namorar Lisboa
Antigo é o proverbio sobre ir a Cacilhas fazer a barba
porque ficava mais barato. Se antigamente não fazia muito sentido, hoje, este novo
destino emergente surge nos guias turísticos como um passeio recomendado para
quem está de férias em Lisboa mas agora com novas propostas gastronómicas e
muita animação.
A viagem de cacilheiro é rápida e não é cara. Deixa-nos onde
tudo se passa e ainda é possível tirar umas fotos do rio Tejo e se ficar para
jantar, não lhe restará qualquer peso na consciência por beber um copo de vinho
a mais.
Assim que desembarca no cais, vê um aglomerado de restaurantes
com esplanadas, com as típicas toalhas de xadrez em tons de vermelho e as
ementas escarrapachadas nos passeios, a fazer com que os recém chegados parem e
vejam com um pouco de mais de atenção. Não fique já por aqui pois existe muito
para descobrir nas proximidades.
Se for em frente, começa a subir um pouco e encontra uma rua
fechada ao trânsito mas aberta à população. Nos passeios amontoam-se mesas,
cadeiras, chapéus-de-sol, ementas, empregados de restaurantes numa azáfama e
gente que disfruta a vida, criando um ambiente boémio e alegre. Olhando para
cima, janelas antigas a desafiar o tempo, descendo de novo o olhar, um chafariz
que é um marco do passado e uma igreja pitoresca. Deixe-se seduzir e aprecie. Não
são só as esplanadas que merecem o nosso olhar atento, as casas conservam-se
como eram antigamente e mesmo sem ver, quase que jurava que as pessoas que
ainda por lá moram também.
Chama a atenção a quantidade de turistas que viaja connosco
no cacilheiro, em pequenos grupos ou em família, todos com um pequeno guia turístico
na mão mas é a medida que vamos descobrindo Cacilhas que percebemos a razão
desta pequena localidade começar a fazer parte dos roteiros turísticos elaborados
sobre a região.
Nesta rua não existem só restaurantes. O pequeno comércio
ajuda a alegrar o espaço com lojas de produtos artesanais, pequenas mercearias
ou venda de livros.
A escolha da maior parte dos visitantes é o peixe. Entende-se
claramente pois para além do clima propício, a variedade de oferta, a qualidade
e o preço criam um triângulo sedutor a que é bastante difícil escapar.
Depois de se perder um pouco por pequenas vielas a fazer
lembrar a Madragoa, desça de novo em direção ao cais. Pode não ter reparado
quando chegou mas agora é impossível não ver o Farol de Cacilhas, reconhecido
como um ícone de Almada e que faz parte do núcleo museológico naval em
construção junto ao Tejo. O Farol, a Fragata D. Fernando II e Glória e o
submarino Barracuda estão bastante próximos e são pontos de atração turística que
vale a pena conhecer um pouco melhor.
Inaugurado a 15 de janeiro de 1886, o Farol foi desativado a
18 de maio de 1978 para dar lugar à construção do novo terminal de passageiros
da Transtejo e também porque se tornou menos útil com a diminuição do número de
barcos que ancoravam no Mar da Palha.
Em 1983 foi deslocado para os Açores e três anos depois
substituía o Farol da Ponta da Serrata, na Ilha Terceira. Em junho de 2004 foi
novamente desativado e depois de ter sido restaurado, a 18 de Julho de 2009,
foi recolocado em Cacilhas, embora não exatamente no local de origem, nem com a
mesma cor pois passou de verde a vermelho. Atualmente o Farol tem carácter de
monumento.
Mesmo ao lado está o velhinho submarino Barracuda que
descansa após mais de quatro décadas ao serviço da Marinha Portuguesa onde o
submarino realizou mais de 52 mil horas. Espera-se agora pela altura em que
seja aberto ao público para visitas, até lá só nos resta aprecia-lo por fora.
Por fim, a reinar ainda com todo o seu esplendor, a Fragata
D. Fernando II e Glória. Trata-se do último navio exclusivamente à vela da
Marinha Portuguesa e a última “Nau” da “Carreira da Índia”, foi também o último
grande navio a ser construído no estaleiro real de Damão (Estado da Índia) onde
foi lançado à água em 1843. O navio foi batizado com o nome de D. Fernando II e
Glória em homenagem a D. Fernando Saxe Coburgo-Gotha, marido da Rainha D. Maria
II de Portugal e à própria Rainha cujo nome era Maria da Glória.
Em 1963 a D. Fernando II e Glória sofreu um grande incêndio
que a destruiu em grande parte, tendo ficado meio submersa no rio Tejo até
1992, altura em que foi decidido promover a recuperação e restauro do navio. A
reconstrução do casco teve lugar no estaleiro Ria Marine em Aveiro. Em 1997
voltou a Lisboa a fim de completar os trabalhos de restauro no Arsenal do
Alfeite e ser equipado para servir como navio museu. Em Abril de 1998 foi
entregue à Marinha como Unidade Auxiliar e aberto ao público na EXPO 98. Hoje está
aberto a visitas, variando os preços entre adultos €4, sénior €2, jovem (dos 6
os 17 anos) €2 e crianças grátis.
Depois da visita aproveite e descanse um pouco. Por aqui
encontra pescadores, casais de namorados, velhotes a ver o mar e do outro lado
do rio, Lisboa, que se ergue em toda a sua glória, exibindo-se vaidosa para a
outra margem do rio.
Se pensa que por esta altura já viu tudo, está enganado,
para o fim ficou um dos locais mais emblemáticos de Cacilhas.
Deixe para trás tudo isto, passe o cais de embarque e siga
em frente junto ao rio. A paisagem, talvez um pouco urbano depressiva para
alguns, fruto do abandono a que foi votada a zona, trás consigo algum mistério e
beleza que só se encontram em alguns locais da terra.
Voltemos para trás no tempo, aqui, antigamente, atracavam
arrastões (barcos de pesca com redes de arrasto) bacalhoeiros e outras canoas
cacilheiras, fragatas e faluas. Hoje só sobraram os pescadores. E se de um lado
o cais se prolonga a fazer companhia ao passeio, do outro lado casas e fabricas
abandonadas escondem segredos difíceis de desvendar. Estendendo o olhar
enquanto se caminha observa-se fachadas a ameaçar ruina, janelas por onde,
quando se espreita, só se vê caos, algumas portas tapadas com tijolos e aqui e
ali almas que ficaram esquecidas, abandonadas à sua merce e que fazem deste frágil
complexo o seu porto de abrigo.
Onde antes existiam armazéns de apoio que guardavam os bens
mais variados como vinho, carvão, mantimentos, fábricas de conservas, casas,
quintas e tabernas sobrevivem agora paredes grafitadas e sem janelas, em perigo
de derrocada eminente. E contudo, a beleza e a tranquilidade do local
surpreende, com uma vista privilegiada para Lisboa e para a Ponte, a implorar
por alguém que lhe dedique um pouco de tempo e lhe devolva a vida que merece.
Apesar de tudo, enquanto passeava ao final do dia por ali, senti que com uma
vista daquelas era impossível não ser feliz.
Mas como se chega a este estado de abandono? O Cais do
Ginjal surge no séc. XIX tendo sido sempre privado. Localizado num local estratégico,
o Ginjal atingiu o seu período áureo numa época em que o trânsito entre margens
se fazia por via fluvial, contudo, com a inauguração da Ponte 25 de abril a
situação privilegiada iria desaparecer pois o rio “deixou de ser a principal
autoestrada”.
Mais tarde, nos anos 1990 um consórcio de proprietários, credores
das anteriores empresas, tentaram, juntamente com a Câmara Municipal de Almada,
avançar com um projeto de reabilitação para este local, que acabou por não se
materializar. E terá sido uma pena que não tenha avançado, este ou outro dos projetos
que surgiram mais tarde, uma vez que a conversar com quem vive por ali percebe-se
que poderia englobar uma praia, habitação, lojas, um jardim, espaços culturais
e de lazer, enfim, uma nova vida, bem merecida para quem aguarda há tanto tempo.
Até lá, sobrevivem dois restaurantes com esplanada, virados para o rio, lindos
e cheios de gente, de muita qualidade, a criar um ambiente que não se encontra
em Lisboa mas que faz lembrar outros pontos turísticos do sul da europa. O por
do sol por aqui tem outro encanto mas se a sua escolha for jantar num destes restaurantes
convém fazer reserva com antecedência porque as pessoas chegam de todo o lado
para desfrutar de uma boa refeição e de um ambiente natural de cortar a respiração.
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